sexta-feira, 27 de março de 2009

PCdoB: um Partido do presente para antecipar o futuro

Tendo em vista a passagem dos 87 anos de fundação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), comemorada no último 25 de março, publicamos a seguir o discurso do Secretário Nacional de Organização do Partido, Walter Sorrentino, em Sessão Especial na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.

O PCdoB comemora 87 anos de vida e luta. A história de um partido, como afirmava Gramsci, é a história das lutas políticas e sociais de uma nação, vista pelo ângulo dos interesses de classe que esse partido quer representar. Os comunistas em nosso país têm um largo legado nesse sentido: desde as jornadas operárias de 1922, das lutas pela reforma agrária, até as lutas democráticas e chegando ao presente – quando se batem por uma nação soberana, democrática e de progresso social – os comunistas mergulharam fundo no cenário social e político do país, levantando a bandeira do socialismo.

Atualmente, o PCdoB é um partido mais maduro e consciente dos desafios de sua luta. E isso se reforça com o reconhecimento que se dá em atos como o de hoje. É muito importante para nós o respeito no convívio democrático que alcançamos após 24 anos de legalidade. Respeito que é recíproco: somos respeitados porque respeitamos, inclusive os adversários, não obstante a legítima disputa política que travamos. Orgulhamo-nos disso. Orgulhamo-nos de praticar uma política larga, visando unir amplas forças do povo brasileiro para os desafios de completar a constituição de nossa nação, de modo soberano, democrático e com valorização do trabalho. Só assim, como se verifica nos grandes movimentos transformadores de nosso país que nos permitiram chegar até aqui, é possível aprofundar as mudanças de que o Brasil necessita.

O PCdoB comemora 87 anos em meio a uma situação desafiadora, no plano nacional e internacional. Preparamos, neste momento, o 12º Congresso, para extrair dela todas as conseqüências.

É certo que nenhum congresso partidário entra para a história por antecipação, mas este estará impregnado de grandes questões, que podem abrir ao país, ao PCdoB e à esquerda em geral um período mais fértil em lutas e perspectivas.

Crise da globalização neoliberal

As singularidades provêm do complexo período que vive o mundo em rápida transformação. A crise da globalização neoliberal representa a falência do discurso dos 35 anos tormentosos das reformas liberais dos anos 80, com a experiência avant la letre no Chile de Pinochet nos anos 70, em substituição aos assim chamados 30 anos de ouro do segundo pós-guerra. Ela ainda é imprevisível quanto à sua intensidade, ritmo e desdobramentos. Os apologistas do ciclo anterior pregam agora nova versão de que não há alternativas, a não ser o retorno do pêndulo do papel do Estado, com medidas fiscais contracíclicas e de saneamento dos créditos tóxicos com dinheiro público. Verifica-se que todas as medidas emergenciais têm sido essencialmente nacionais, ou seja, de intervenção dos Estados nacionais. Não há, por ora, nenhuma medida mais avançada de coordenação interestatal, o que deve acirrar a pressão competitiva em escala global e pode resvalar para o protecionismo que dificultará ainda mais a retomada da economia.

Com a crise se abre outra fase de luta política, pois que desvela o caráter do Estado, tornado refém dos interesses monopolistas das corporações industriais e financeiras, e revela a falácia do discurso neoliberal sobre Estado e mercado, evidenciando que o capital a tudo submete. Vai ficar mais claro que o capitalismo, em seu regime de acumulação, quer prescindir de fronteiras nacionais, Estados nacionais e soberania nacional, mas com isso engendra contradições mais poderosas. Elas se manifestarão por meio de descarregar a crise nos ombros dos trabalhadores e dos povos, sobretudo com o desemprego, que reclama respostas unitárias e vigorosas.

Manifestar-se-ão também entre as nações poderosas, de um lado, e entre estas e as nações emergentes em desenvolvimento. Enfim, estamos num mundo em transição, onde declina relativamente a liderança dos EUA e vai se constituindo uma nova conformação de forças geopolítica.

Ademais, o regime do capital bloqueia saídas de padrão civilizatório mais elevado de que está prenhe a humanidade. Por isso, a situação presente repõe no mundo o debate das alternativas. Porque, em verdade, é uma crise do capitalismo. Lembremo-nos da pesada ofensiva quando se desintegrou a URSS e o Leste europeu, com a cantilena da crise do socialismo. Por que esta crise atual não pode ser chamada pelo verdadeiro nome? Seu nome é crise do capitalismo; é a falta de perspectivas de esse sistema assegurar desenvolvimento, soberania, progresso social e liberdades.

A crise atinge por força o Brasil que restou inerme na defesa de seus interesses durante a onda neoliberal. Mas, ao mesmo tempo, parece indicar que as condições para enfrentá-la são melhores hoje do que em qualquer período anterior. O Brasil tem uma história de enfrentamento das crises do capitalismo, tirou proveito delas, seja no século 19, seja na grande crise dos anos 1930 e dos anos 1970. Portanto, temos um quadro de perigos e oportunidades. Oportunidades no sentido de um reposicionamento do papel relativo do país no contexto mundial, no sentido de sua maior projeção e liderança, na medida da clareza e capacidade de lutar de forma afirmativa por seus interesses.

Novas perspectivas

O atual ciclo político liderado por Lula reabriu perspectivas para o desenvolvimento econômico, democratizou a sociedade e melhorou a renda do trabalho e da população mais desassistida. Em que pese a insuficiência de enfrentamento com os grandes interesses financeiros e monopolistas que impõem ao Brasil o título de campeão mundial de juros, travando um desenvolvimento mais acelerado e mantendo enormes disparidades de renda, é um fato que o Brasil retomou certa mobilidade social ascendente para a vida de milhões de brasileiros.

Com isso, a nação retomou horizontes. Matura a consciência e a ação por um projeto nacional afirmativo e soberano, desenvolvimentista, de democratização social e política, integração regional e política externa anti-hegemonista. Tudo, naturalmente, num ambiente de forte disputa política e tensões que acentuam os desafios da esquerda brasileira.

Essa importante viragem na conformação de forças com respeito à década de 1990 e início dos anos 2000 se reflete no comportamento das forças políticas, intelectuais e sociais. Nesse quadro, objetivamente, atua a tendência a se cristalizar um quadro de forças que restrinja a vida política a poucos agrupamentos. É o que se intenta com a reforma política: restringir o pluripartidarismo democrático, alcançar uma “modernidade” nacional que não seja nem essencialmente democrática nem popular.

A democracia em nosso país é jovem. Conheceu apenas dois períodos mais permanentes, de 1945 a 1964 e, agora, de 1985 a 2009. Carece ainda de conformar as correntes e tendências, para o que o pluripartidarismo democrático é a opção que se impõe, sem barreiras, sem casuísmos.

De outra parte, é forçoso considerar, a partir da experiência histórica brasileira, que o caminho da afirmação nacional exige reunir amplas forças, sobretudo agora tendo em conta os efeitos da crise. Ao mesmo tempo, carece-se de constituir no seio dessa unidade forças com clareza e determinação para conduzir um projeto nacional com uma estratégia econômica determinada, que reposicione o país no rol das nações como pólo de maior liderança, constituir o centro de gravidade de um governo avançado, projeto esse capaz de equacionar o défice democrático e social do país. Ou seja, as forças populares e de esquerda também são exigidas objetivamente pela situação, para apontar para uma unidade decisiva entre o nacional e o popular, pois como dizia Gramsci, só é verdadeiramente nacional o que é popular.

Por uma esquerda forte

A confluência dessas questões marcará o debate do país até 2010 e mesmo depois, tendo por substrato a crise e as repercussões geopolíticas dela no mundo. Marcará, por isso mesmo, o 12º Congresso do PCdoB. Uma esquerda forte e bem apetrechada estrategicamente é cada vez mais necessária à modernidade do Brasil e isso se consubstancia num projeto político, um programa e um partido.

Um projeto para o país enfrentar a crise, abrir caminho a mudanças mais afirmativas da nação, enfrentar e vencer a disputa presidencial de 2010 em disputa com as forças que sustentaram o caminho oposto na década de 90, hoje sem discurso à altura das expectativas da nação. Constituir, para tanto, uma maioria política e social vasta, em cujo centro atuem forças de esquerda, para um governo consistente com os desafios nacionais, democráticos e da ampliação de direitos sociais dos brasileiros. Isso é o que defende o PCdoB: união de forças, para repactuar o caminho aberto em 2002 por Lula, agora com o desafio de reposicionar o país em seu desenvolvimento e no cenário internacional. Carece-se de avançar na defesa dos interesses nacionais, do Estado nacional, da soberania, da integração do subcontinente, com democracia social e política.

Um programa que incorpore esse desafio e aponte para soluções mais profundas, como alternativa civilizatória ao capitalismo, de sentido patriótico e popular, cuja conseqüência última é abrir caminho à transição ao socialismo. A questão nodal aí é um poder político com base nas forças populares, que una a nação em torno de uma plataforma avançada, continuidade em patamar mais conseqüente da luta pela afirmação nacional e democrática. Trata-se de tornar essa alternativa mais tangível, partindo não apenas dos primados teóricos, mas da realidade viva do país, pois o universalismo da teoria só pode ser enriquecido a partir do particular concreto, e esse é um desafio essencialmente nacional, espaço privilegiado para se pensar estratégias de transformação social que alcancem implicação global.

E, por fim, partidos de esquerda capazes de reunir inteligência, convicção, talento político e compromissos militantes em torno desse projeto e programa. O PCdoB permanece sendo um partido de militância, nosso principal tesouro. Atua para acumular forças, na luta política e institucional, na luta social, na luta de ideias. Somos um partido socialista, não importa quanto tempo durará essa luta e por quais caminhos. Cada tempo coloca seus próprios desafios: queremos estar livres dos condicionamentos modelados por outra época ou desafios estratégicos de outro molde. Somos um partido do presente para antecipar o futuro. Por isso fazemos o nosso esforço de renovação de concepções e práticas de partido, renovação de cultura política, voltada para os desafios do tempo. O 12º Congresso avançará nessa perspectiva, para formar, nas condições do presente, a nova geração de lideranças comunistas da luta do povo brasileiro.

Homenagens vivas

Quando pensamos no futuro não esquecemos o passado. Não nos esquecemos dos que deram o melhor de suas energias e até a própria vida para que chegássemos até aqui. A eles nossas homenagens vivas, que se expressam no compromisso de seguir adiante com a luta. Este é o partido de Otávio Brandão e Astrogildo Pereira, de Luis Carlos Prestes herói do povo brasileiro. De Maurício Grabois e João Amazonas, notáveis ideólogos que marcaram a história do PCdoB indelevelmente. É o partido que defende a perspectiva desse que é o brasileiro vivo mais ilustre da nacionalidade, Oscar Niemeyer, sempre jovem e sábio, generoso e comunista. Mas também de enorme contingente de militantes comunistas, muitos anônimos. A eles nossa homenagem aos 87 anos, simbolizada na lembrança de uma camarada que educou a todos nós, a querida Elza Monnerat.

O PCdoB, dizia, chega mais maduro, experiente e ainda mais compromissado com os trabalhadores, o povo e a nação, aos 87 anos. Está em expansão, pode ultrapassar a marca dos 100 mil militantes e 250 mil filiados. Sua juventude é pujante e tem papel dos mais ativos na luta política e social. Seus trabalhadores encabeçaram o esforço pela constituição de uma central sindical que permitisse lutar mais denodadamente pela unidade do movimento sindical para enfrentar a crise. Suas mulheres podem se orgulhar de que no partido foram tomadas medidas firmes para projetar seu papel na luta política e na própria vida partidária, tendo como prática regular a realização de Conferência Nacional das Mulheres comunistas. Mas, para além do orgulho que isso nos traz, considero que a construção de uma força política desse tipo, bem definida teórica e politicamente, de caráter militante, é mais que tudo uma tarefa de ordem democrática geral para a sociedade brasileira. Significa, em última instância, dar consciência política a milhares de cidadãs e cidadãos, trazendo-os para o grande caudal da luta nacional, democrática e social, organizando-os para a luta – não apenas eleitoral – com um programa de transição ao socialismo. A saída é o socialismo. O Brasil precisa disso. O Brasil necessita de uma forte e influente esquerda, e o PCdoB busca qualificar-se para isso.

Esses são os bons augúrios desta comemoração de 87 anos. Lutaremos para torná-los força viva. O Brasil vencerá, o socialismo vencerá.

Walter Sorrentino, secretário de Organização do PCdoB

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